sábado, 25 de julho de 2009

A Economia Política da Gripe A


Antes de continuar a minha série de posts, vale a pena responder ao chorrilho de disparates e desonestidade intelectual sobre a gripe A de que este post é um bom exemplo. Primeiro desvaloriza-se a ameaça. Afinal, a gripe aviária de 2005 só (?) matou 250 pessoas... Comparada com outros problemas de saúde globais, a capacidade mortífera da doença é relativizada até à irrelevância. Isto seria só manipulação mediática da indústria farmacêutica e do Rumsfeld.

A memória pode ser longínqua, mas foi exactamente este vírus da gripe (H1N1) que provocou uma das maiores pandemias do século XX: a famosa gripe “espanhola” de 1918, provavelmente nascida nas infectas trincheiras da primeira Guerra Mundial, que matou entre 25 e 100 milhões de pessoas num total de 500 milhões de doentes. Em Portugal, estima-se em 120 mil mortes. Santa-Rita Pintor e Amadeo de Souza Cardoso foram duas destas vítimas. Entretanto, outros surtos epidémicos têm surgido com mortalidades menores, mas mesmo assim muito preocupantes, por exemplo, em 1957, com uma mortalidade de 2 milhões de pessoas, e em 1968 com uma mortalidade entre 2 e 7 milhões.

Se a gripe aviária de há poucos anos matou pouca gente foi porque os países asiáticos empreenderam vastos programas de abate maciço de aves, prevenindo a propagação do mortífero vírus e consequente possibilidade de mutação que permitisse o contágio entre humanos (a discussão ainda está em aberto acerca desta possibilidade ter realmente acontecido). A actual gripe parece não ter a mesma agressividade da gripe aviária ou mesmo da gripe “espanhola”. Aliás, o H1N1 foi endémico nas populações humanas até ser substituído, em 1957, pelo H2N2 – o que pode explicar a menor incidência do actual vírus nas populações mais idosas. No entanto, o seu potencial de contágio é muito maior e nada impede que se transforme numa estirpe mais mortal à medida que se expande por todo o mundo.

Quanto ao Tamiflu, ao contrário do que se afirma, este é, de facto, um dos dois antivirais eficazes contra a gripe A. Ninguém nega que a Roche lucra imenso com a actual gripe. Face à sua muito limitada capacidade de produção (em 2004 produzia somente oito milhões de doses por ano), os governos devem, por isso, ignorar os direitos de propriedade intelectual do antiviral e produzi-lo em massa. Esta é única parte deste post com a qual concordo, embora ache estranho que se avance uma solução para um problema que é negado no texto que a antecede.

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