terça-feira, 24 de novembro de 2009
A nova revolução cultural chinesa
Há quarenta anos, muitos jovens burgueses europeus e norte-americanos saíram às ruas para brincar à barricadas. Os filhos do milagre económico e do abundantismo atacando a polícia, ou seja, os filhos do povo. Traziam no bolso um enigmático livrinho vermelho com citações - amiúde aforísticas, como manda a tradição letrada chinesa - e pregava o ódio, a vingança, a destruição e um Homem Novo. Mais impresso que qualquer outro livro do século XX, juntamente com as Obras Completas de Lénine, o Pequeno Livro Vermelho fez estragos em vidas humanas e património antes de passar para a clandestinidade do subconsciente, só aflorando de quando em vez. Entre nós, portugueses, o livrinho, que foi companheiro inseparável de muito bom PS e PSD de hoje, continua onde sempre esteve: dentro dos corações de quem o leu como um texto religioso, mas longe da carteira onde reside o incontrolável desejo de ter, comprar e consumir.
A China tornou-se outra. Já não é o paraíso dos camponeses, dos operários e dos soldados, das comunas, dos julgamentos públicos e da justiça popular. Ali já ninguém anda de pijama verde ou azul, poucos se atrevem montar uma bicicleta. De Shangrilá do exotismo juvenil, passou a Meca das grandes negociatas e dos maníacos do dinheiro fácil, pelo que o antigo livrinho é hoje um artiguelho vendido ao desbarato a rotundos turistas e não tem mais valor que aquelas peças de porcelana de terceira categoria que os ocidentais compravam para dar um toque de Oriente às suas casas. Agora, o livrinho foi substituído por Gavin Menzies, um historiador amador, autor de dois best sellers, cada um mais mentiroso que o outro: 1421, o Ano em que a China Descobriu o Mundo e 1434: The Year a Magnificent Chinese Fleet Sailed to Italy and Ignited the Renaissance.
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